25 de abril de 2010

Onomatopéia da Cuíca


Um quarto escuro. Silêncio funebre. Um corpo imóvel na cama.
A vida veio como uma pequena vibração na cama. Começou pelas costas, espalhou pelos dedos, explodiu na cabeça. Tum; tum; tum.
Tum, tum, tum, táratáratá e UuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoi.
O conjunto de sons aleatórios, aparentemente desencontrados, ganhava o coro de uma turba de mil vozes cantando em fora de tom uníssino marchinhas de carnaval. A banda passava animando todos na rua.
Todos o caralho!
Enquanto o homem sério estava lá; pegando a namorada que deixou as estrelas e o namorado em casa e o faroleiro filmava tudo, uma alma gemia ao som de pierrots e columbinas.
UuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiU
O Zezé invadiu seu quarto atráves do concreto o gritando na sua orelha. Não adiantou travesseiro, dedo ou as pilhas do controle da tv na orelha. A banda estava ali, tocando só para ele, dentro do seu quarto.
UuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoi
A Banda cantava alegria, os foliões a transformavam em bebedeira, prevaricação e briga! O residente xingava cada geração dos bardeneiros. Principalmente o criador da Cuíca. Esse merecia um capítulo dedicado.
UuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoi
 “Quem inventou estaaaa merda?”
“Porra de instrumento chato do caraleo.”
“E quem é o filho da puta que chega numa escola de samba e escolhe: Nossa, cuíca. É isso que eu quero tocar!”
“Tinha que cair uma bomba atômica em cima desses putos! Eu até vou pra merda junto, mas acaba meu sofrimento. Mas tem que ser atômica. Atômica não faz barulho!”
UuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoii
A tortura auditiva ultrapassou a enxaqueca e expandiu para as células; cada Uuuoii roncado vinha acompanhado de um lamuriante: Uuiiiii. Nem a unha do seu dedo mindinho do pé esquerdo escapou.
UuuoiiUuuoiiUuuoii
Logo ele que ficou em São Paulo no carnaval para aproveitar o silêncio da cidade considerada o túmulo do Samba. E agora o Samba tava lá, vivo, debaixo da sua janela , transformado ele num zumbi.
UuuoiiUuuoii
A múmia de lençois brancos, chegou ao seu limite. Nem precisou de saca-rolhas para abrir sua garrafa de Jack Daniels onde ficava escondido o Whisky sem marca, tomou duas doses duplas acompanhadas de três comprimidos de Metadona para forar o estômago, tirou as pilhas do ouvido, colocou sua camiseta florida e desceu os quatro andares pulandos os degraus da escada.
Uuuoii
Passava um grupo de bêbados atrasados balbuciando as marchinhas em volumes estratosferícos e um deles gritou: “espera que eu tô mijando porra”. Um catador colhia seus espólios do carnaval amassando ruidossamente latinhas de alumínio. Aquele UuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoiiUuuoii, já não alfinetava os ouvidos, até o surdo da banda já estava mudo. A banda não estava mais lá.
A enxaqueca voltou como uma Benzetacil mal aplicada na bunda, seria preciso uma anti-rábica para controlar a raiva e a única coisa que dançava na rua, era a veia na sua testa. O Corpo desperto, aparentando um Zumbi bebâdo que acabará de sair de um baile do Havaí, encheu o peito e gritou:
- Enfia a cuíca…
Inspirado na música "A Banda" de Chico Buarque. Textos da Série o B_Arco de Segunda.

13 de abril de 2010

Reescrevendo a Batata

Batatinha quando nasce,

Agricultor colhe do chão,

Vendida na feira,

Vira frita, purê, apodrece.

3 de abril de 2010

Na Rua


Me jogou com violência em cima do canteiro. Dobrava e apertava meu braço contra minhas costas. Sua outra mão abaixou minhas calças, suas unhas arranharam minha bunda. Chutou minhas pernas, assim como policiais fazem com suspeitos, para abri-las o máximo possível.
Cada vez que eu tentava reagir, mais ele apertava e entortava meu braço contra minhas costas. Senti seu pênis ereto forçando a entrada.
A dor. Que dor!
Ele jogou seu peso sobre mim, sua barba suja roçava meu pescoço. Seu hálito de cachaça e seu mau cheiro me deram ânsia. Por duas ou três vezes quase vomitei.
Não sei quanto tempo demorou tudo aquilo. Quando ele terminou, soltou seu peso sobre um corpo exausto de dor. Largou meu braço dormente deixando uma marca roxa dos seus dedos. Se levantou e foi. Só vi ele se afastando, pegando seus sacos de coisas sujas, não vi seu rosto. Não importava.
Demorei um pouco naquela posição até conseguir forças para me levantar, limpei sua baba da minha orelha, tirei grãos de arroz do meu pescoço. Fui para casa com pernas cambaleantes e porra escorrendo entre elas.
Não acreditava que aquilo tinha acontecido. Em casa cumprimentei minha esposa com um longo e demorado beijo.
- Isso no braço não foi nada. Um mendigo tentou me assaltar. Claro que ele se fodeu. Botei gostoso na bunda dele. Vou tomar um banho, tá?
Abri o chuveiro ao máximo e toquei uma punheta.

O tema da semana era um conto erótico, com o seguinte plot: Uma noite com o Mendigo.